Efeitos das mudanças climáticas na saúde: profissionais do Centro de Inteligência Epidemiológica do Rio de Janeiro revelam como as ondas de calor podem levar a óbito
Além de causar estresse térmico, o calor também pode piorar condições de saúde preexistentes
O mês de novembro está sendo marcado pela realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) no Brasil, na qual líderes mundiais, a comunidade científica, organizações não governamentais e a sociedade civil estão discutindo ações de combate às mudanças climáticas.
Os eventos climáticos decorrentes dessas mudanças, como as ondas de calor, têm um impacto significativo na saúde da população. É nesse sentido que a UNIFASE/FMP promoveu a mesa-redonda "Mudanças climáticas, desenvolvimento urbano e impactos na saúde: uma análise à luz da epidemiologia", tendo como convidados, o geógrafo Felipe Vommaro e o epidemiologista João Henrique Morais, que atuam no Centro de Inteligência Epidemiológica (CIE) do Rio de Janeiro.
"As emergências climáticas têm sido cada vez mais frequentes e sabendo que as ondas de calor podem aumentar o número de mortes, é fundamental que os estudantes sejam instrumentalizados com essas informações para que, em breve, em suas práticas, eles possam garantir uma assistência de qualidade à população", explica o enfermeiro sanitarista Norhan Sumar, professor de "Epidemiologia e Saúde e Sociedade" no curso de Medicina e coordenador do programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da UNIFASE/FMP.
O evento foi direcionado a estudantes do 3º período de Medicina, do programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica e do programa de Residência em Medicina da Família e Comunidade. "O objetivo da formação não é o profissional que esteja com o olhar limitado para a biologia do corpo humano, mas também para o processo saúde-doença de uma maneira mais ampliada, com um olhar mais humanístico, entendendo que a maneira como as pessoas vivem influencia no seu processo de adoecimento, tratamento e cura", completa o professor Norhan.
O geógrafo Felipe Vommaro apresentou um panorama da saúde urbana como reflexo direto das desigualdades socioambientais e da exposição a vários riscos, como violência, poluição, insegurança alimentar e vulnerabilidade climática. A ocorrência de chuvas intensas e calor extremo criam condições favoráveis à proliferação de vetores e doenças transmissíveis, como ocorreu em Petrópolis após a tragédia de 2022, com um aumento significativo dos casos de leptospirose na cidade.
A mudança climática também apresenta um desafio demográfico e territorial. "Em Petrópolis, por exemplo, há áreas com risco de deslizamentos, áreas de encosta, o que leva a questões como para onde a cidade pode crescer e como lidar com o crescente aparecimento de eventos extremos climáticos", destaca o geógrafo da equipe de análises do CIE.
Contudo, um dado que chama a atenção é que de 2000 a 2018, o calor matou mais que deslizamentos de terra no Brasil, segundo um estudo publicado em 2024 no periódico científico Plos One, que envolveu pesquisadores de instituições portuguesas e brasileiras, como a Universidade de Lisboa e a Fiocruz.
A resposta do corpo ao estresse térmico acontece principalmente de duas formas: pela transpiração e a vasodilatação. Três fatores principais regulam o sucesso desse processo, que é a capacidade termorregulatória do indivíduo, a exposição ao calor e o comportamento humano. "Em casos mais extremos, temos alguns sintomas específicos de efeitos do calor na saúde, como cãibras por calor, edema por calor, exaustão por calor e golpe de calor, que é uma emergência e precisa de rápido atendimento. Existe uma letalidade muita alta nesse ponto, que é quando a temperatura interna dos órgãos ultrapassa 40ºC e não consegue esfriar", aponta o epidemiologista João Morais.
Além disso, muitos óbitos durante as ondas de calor estão relacionados à piora de condições de saúde preexistentes. "Os efeitos de calor afetam várias condições de saúde, algumas que a gente nem faz uma relação direta, como doenças circulatórias, respiratórias, renais, endócrinas, neurológicas, a saúde mental pessoas, até desfechos adversos durante a gravidez, como prematuridade", completa.
Rio de Janeiro cria Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo para alertar a população
O Centro de Inteligência Epidemiológica (CIE) do Rio de Janeiro foi criado pela necessidade de integrar dados e tecnologia com aplicação prática para a saúde pública. "Antes da criação do Centro, havia uma dificuldade para integrar as múltiplas bases de dados que temos, então o CIE surgiu para fazer essa interoperabilidade. A integração de dados é fundamental para termos respostas mais rápidas para a tomada de decisão na saúde pública", analisa Felipe.
Com os dados do CIE e outros órgãos, a cidade do Rio de Janeiro elaborou o Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, que foi um dos ganhadores do Local Leaders Awards 2025, prêmio concedido pela Bloomberg Philanthropies, em reconhecimento às políticas locais inovadoras de enfrentamento às mudanças climáticas.
"É um orgulho ter uma política pública fomentada por evidência epidemiológica. O calor muitas vezes é subestimado, principalmente no Rio de Janeiro, onde há uma naturalização do calor. Calor extremo mata e mata silenciosamente, sem que a gente dê muita atenção a isso, por esse motivo trabalhamos na desmistificação de que seja algo natural. Recordes não só de calor têm sido batidos, mas também de mortalidade associada ao calor, por isso a importância desse trabalho e dessa divulgação", reforça o epidemiologista João Morais.
Com o monitoramento dos níveis de calor, os órgãos conseguem tomar medidas para evitar que as pessoas fiquem expostas ao calor intenso por um longo período. "Temos medidas que vão desde a comunicação até ações mais efetivas de implementação, alteração e até suspensão de atividades. Quando atingimos os níveis mais críticos, temos a abertura de pontos de resfriamento, por exemplo, para que as pessoas tenham onde se refrescar e buscar apoio. É importante a conscientização das pessoas. Quando a gente anuncia um nível de calor alto, isso não é motivo de lazer ou de alegria, temos que ficar mais atentos e vigilantes para os riscos que isso pode nos causar, evitar nos expor e, se algo acontecer, saber o que fazer para evitar desfechos mais graves", conclui o epidemiologista.
Jornada da Virada Climática — 4ª edição já confirmada
O tema também dialoga com a Jornada da Virada Climática, projeto anual da UNIFASE/FMP que estimula a comunidade acadêmica a pensar soluções para os impactos das mudanças climáticas na saúde e no território. A iniciativa segue crescendo e retorna em sua 4ª edição, de 23 de fevereiro a 23 de março de 2026.







